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Nariz vermelho

quinta-feira, abril 2nd, 2009

Vocês conhecem o trabalho de palhaços que visitam os hospitais para levar conforto aos pacientes e familiares? Recentemente escrevi uma matéria sobre isso e que pode ser lida aqui. Em seguida, escrevi uma coluna que foi publicada no jornal na edição seguinte, em que conto a minha experiência pessoal com os palhaços e compartilho abaixo com vocês.

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Escrever a matéria sobre o trabalho da equipe UAI (Unidade de Alegria Intensiva), inspirada nos Doutores da Alegria e publicada nesta edição, foi um prazer para mim. Após anos eu pude me lembrar de episódios que marcaram a minha vida, afinal, eu sempre gostei de palhaços, mas nunca imaginei que eles estariam tão ligados a mim em fases diferentes. A começar por uma das minhas fotos preferidas de quando era criança – ao lado de um boneco-palhaço. Tudo bem que era o Bozo, não exatamente um “modelo” de palhaço, mas eu me recordo que adorava aquele boneco de cabelo laranja que era maior do que eu no tamanho.

Aos 22 anos, após alguns anos de curso de teatro, por dica de um amigo, fiz um workshop sobre o clown. Fiquei completamente apaixonada pela arte do palhaço. Não só eu, mas toda a turma, que resolveu continuar a estudar. Assim, permanecemos juntos por cerca de um ano. O professor, a quem eu chamava de “mestre clown”, era o ator Márcio Ballas, com uma grande experiência como João Grandão (esse era o nome de seu clown). Ele foi um dos “Palhaços sem Fronteiras” franceses com quem fez expedições para a África e campos de refugiados durante a guerra do Kosovo. Márcio também foi integrante dos Doutores da Alegria.

Durante todo o tempo em que estive com aquela turma, aprendi muito sobre mim mesma e as outras pessoas. O palhaço faz isso pelo ator, é capaz de virar o seu olhar para dentro de si mesmo, conhecer suas fraquezas e trabalhar com elas. Fazíamos jogos de improvisação, aprendemos a rir dos nossos defeitos e transformar as características em munição para o riso alheio. Ser palhaço não é fácil, mas é maravilhoso.

Foi aí que eu descobri a Tiffany, a minha clown. Cada pessoa possui apenas um palhaço em toda a vida. Não é um personagem, é parte de você. E com as aulas passei a ter cada vez mais vontade de participar de grupos de palhaços que visitam hospitais para levar conforto aos pacientes e familiares por meio do lúdico. O palhaço que visita hospitais é generoso: ele doa a sua alegria. Imaginava se seria capaz, mas decidi que era isso o que queria fazer. Os colegas do curso iniciaram um movimento para visitar hospitais e assisti ao primeiro sarau de palhaços. Apresentei-me poucas vezes para a turma e convidados e nunca, nunca mesmo, senti nada igual como a sensação de fazer rir como a Tiffany.

O destino, porém, não me contou que antes de eu fazer a primeira visita a algum hospital eu passaria por uma situação de inversão. Em 2003 fui internada às pressas, passei quatro dias na UTI por conta de um derrame pleural e suas consequências e a situação chegou a gravíssima. Ao contrário de outras pessoas (e talvez dos próprios médicos), eu sabia que não ia morrer. Agarrei-me à fé em Deus e às lições aprendidas com os palhaços. Dias depois, já no quarto, recebi uma visita inesperada e que fez o hospital ficar colorido. Um palhaço foi me ver.

Quando eu vi o meu amigo Fernando Weno vestido de Fred, o seu palhaço simpático, com bexigas em forma de bichos, os meus olhos se encheram de água. Eu senti uma sensação que não posso explicar. Lá estava eu, a aprendiz de palhaço que desejava visitar hospitais, recebendo a visita de um. Eu estava do outro lado e percebi, na pele, a dimensão de tudo aquilo.

Weno fez, ali mesmo no quarto, bichinhos com as bexigas. Encantou médicos e enfermeiras e os pacientes dos quartos vizinhos até pediam seus próprios animais. Meu amigo-palhaço anunciou os votos de melhora da minha turma de clown e percebi que o caminho de levar o sorrriso ao ambiente hospitalar é algo inexplicável. Ele funciona.

Eu admiro muito o trabalho de todos os voluntários que dedicam o seu tempo a levarem um pouco de alegria a pessoas que estão fragilizadas. E quem nos dera todos fôssemos um pouco “palhaços” no dia-a-dia, para aplacar as dores e minimizar as decepções. Se conseguíssemos entender o princípio de rirmos de nós mesmos, a nossa vida – e a de quem está ao nosso redor – seria mais fácil e deliciosa. Hoje eu não tenho medo de me sentir ridícula e de colocar o meu nariz vermelho. Medo eu tenho, isso sim, de não sorrir.

 mar09_tiffany2peqAqui sou eu, após dias no hospital e em casa, ainda em repouso, em abril de 2003. É a única foto que eu tenho com as bexigas que ganhei no hospital e por vergonha as usei para esconder os braços roxos de tantas picadas.

mar09_tiffany1peqEssa é Tiffany, com seu primeiro figurino, que logo foi substituído por um vestido cor-de-rosa.

Alegrias,
Fernanda.