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A Páscoa de Ana Cláudia

quinta-feira, abril 9th, 2009

Eu não gosto de chocolate porque irrita a minha pele e eu empipoco inteira. Mentira, eu amo chocolate, mas eu não posso comer porque engorda. Droga de dieta, ela só me permite comer 900 calorias por dia, mas desse jeito eu vou virar uma sopa ambulante, mas sopa sem batata e macarrão. Sopa de água, delícia gastronômica. Se eu comer apenas um ovinho de Páscoa inteiro eu ultrapassei todas as calorias do dia. Então decidi, eu farei isso pela minha filha, mas só por ela, por que como uma criança vai entender que a mãe não quer comer ovo de Páscoa na Páscoa?

Fiz as contas: posso ingerir todas as 200 gramas do ovo (que eu acho pequeno, porque eu sei que sou capaz de muito mais, eu conheço o meu potencial) e não como mais nada durante o dia. Eu acordo e tomo de café da manhã um pedaço de ovo. No almoço, um pedaço de ovo. No café da tarde, mais ovo, na janta ovo e eu não engordo nada, porque mantive as calorias do dia. Ah, é fácil seguir uma dieta.

A Elianinha quer um ovo de Páscoa da Barbie. Ovo não é de chocolate? A Barbie só vem estampada na embalagem, não é? Mas de que adianta tentar explicar? Não adianta. Pensei em fazer um ovo em casa e botar uma de suas Barbies dentro como surpresa. Perfeito, se não fosse pelo fato de que eu precisaria roubar uma embalagem. Desisti do plano e fui ao mercado comprar. Só que eu esqueci de que comprar em cima da hora não é a melhor estratégia. A Páscoa chegou e eu entro no terceiro mercado com esperança de achar o bendito ovo da Barbie, porque eles esgotaram nos outros lugares.

- É ele, é ele! – eu grito, para o nada.

- Ei, moço, esse ovo é meu! – exclamo quando vejo um homem colocando a mão no meu ovo. O último ovo da Barbie. – Devolve.

- Devolve? Como assim, devolve? Você nem estava com ele.

- Mas eu ia pegar, só que você chegou uns segundos antes de mim.

- Você ia. Eu peguei.

Que insolente esse homem. Que grande babaca. E que verdade, também. E agora, como é que eu explico que não posso chegar em casa sem esse ovo? E que nos outros mercados ele acabou, esse é o último da espécie? Melhor ser sincera.

- Eu não posso chegar em casa sem esse ovo.

- Sério? Nem eu – ele respondeu já andando em direção ao caixa.

- Mas senhor… moço… seu… é que eu não tenho mais onde buscar, a minha filha está na casa dos avós e se eu chegar sem esse ovo posso nem entrar lá.

Ele não respondeu, eu tinha que apelar.

- Não é fácil ser mãe solteira.

Ele parou. Funcionou. Mas poxa, eu não estava mentindo, não era bem uma chantagem emocional, era só… uma informação na hora certa, oras.

- Jura?

- Hum, hum – balancei com a cabeça e fiz um sorrisinho meigo.

- Também não é fácil ser pai solteiro e minha filha quer esse ovo. Tchau.

Ahhhhh como ele podia usar a minha técnica contra mim mesma? Isso é jogo sujo, é falta de criatividade.

- Ah, tá bem. Você é pai solteiro, então?

- Minha ex-mulher venceu a eleição para deputada federal, foi morar em Brasília, mas nunca mais voltou porque se arranjou com um senador. Já está no segundo mandato, acho que está bem, a filha pode vê-la nas páginas de jornal vez ou outra, mas as denúncias nunca são provadas e tudo bem. Ela não vem nunca, já pedi a separação, então eu posso me considerar pai solteiro, certo?

- Ah, minha nossa, a sua mulher é aquela de cabelo vermelho… aquela aqui da cidade? A…

- É ela mesma, nem precisa dizer o nome, mas é ex, viu? Ex. Agora dá licença que minha filha está esperando o ovo.

- Quantos anos ela tem? – eu perguntei.

- Sete.

- A minha tem seis. O pai se mandou no mundo e hoje eu vou quebrar a minha dieta só parar comer ovo de Páscoa o dia inteiro com ela, você entende como ela é especial pra mim?

- Só por que você vai quebrar a dieta?

- Você é homem, nunca vai entender.

- Eu entendo certas coisas de mulher, sim. Minha filha é quase uma moça e sou eu quem dou as dicas. Você não deveria se preocupar em quebrar dieta por comer um ovo de Páscoa.

- Só porque você quer esse mesmo ovo, né?

- Não. Porque você não precisa, está bonita desse jeito.

Bonita? Eu, bonita? Desde que o desgraçado do meu ex-marido resolveu se tornar viajante profissional nunca mais ninguém me disse que eu estou bonita. E que não preciso de dieta!

- Olha, obrigada (droga, estou gaguejando), mas e o ovo, com quem fica?

- Eu peguei primeiro, fica comigo.

Desisto. Ele tem razão. Ele foi gentil, legal em conversar comigo, também cria uma filha sozinha e eu não tenho o direito de ser chata ao ponto de tirar o ovo da filha dele. Vou procurar outra marca, explicar para minha princesa que acabou e ela vai entender, ela é muito inteligente, vai entender. Pelo menos vou comer um ovão inteiro com ela sem culpa. Puxa, estou bonita.

- Mas olha… o ovo tem duas partes, se você quiser, podemos dividir – ele disse.

- O quê? Dividir o ovo? Mas como as meninas vão entender se chegarmos com metade de um ovo de chocolate melecando nossa mão e…

- Vai almoçar lá em casa, leve sua filha e na hora de darmos o ovo, entregamos o mesmo para as duas. São meninas, têm quase a mesma idade, vão se dar bem. De quebra, levamos outros ovos para elas não se sentirem prejudicadas. A proposta é boa.

Tão boa que eu, sem o menor pudor de mãe com uma certa idade nos ombros, aceitei. Deixei a menina no carro e toquei a campainha para sentir o clima da casa. Uma senhorinha atendeu, eu reconheci como a costureira da minha tia e a partir dali foi só festa. Eu e Elianinha entramos, as meninas dividiram o ovo da Barbie, ganhei um ovo de chocolate branco do David (ele tem nome), levei um prato de bacalhau e parecia que nos conhecíamos de tempos.

A divisão de ovos virou tradição que não conseguimos mais quebrar. Todos os anos é a mesma coisa, as meninas pedem o mesmo ovo e dividem na nossa frente, cada uma come sua metade e ainda evitamos desperdício, porque eu como o ovo que ganho sozinha, em um só dia. Afinal, dieta a gente pode voltar a fazer depois. E ele ainda me acha bonita.

BOA PÁSCOA!

Alegrias,
Fernanda.