Frenética vida de Lurdinha

Não é que Lurdinha não sabia que queria. Ela sabia, mas não conseguia admitir. A vida parecia boa demais para que ela dissesse em voz alta o que se passava pela sua cabeça. Hoje, depois de mais um sonho com aquele vizinho estranho do andar de baixo, Lurdinha se deu conta que poderia precisar de um psiquiatra. O vizinho não estava tentando matá-la, não era possível. Assim como seu marido não era tão ruim como ela pensava. Porque, afinal, a vida parecia boa demais. Para os outros. Depois de uma ducha quente, mesmo em um dia igualmente quente, ela colocou saltos altos e esqueceu a bolsa. No trânsito, um guarda narigudo parou o carro e o documento não estava com ela. O marido de Lurdinha desligou o telefone sem ouvir uma palavra e depois de dizer “estou em uma reunião”, mas a sua própria reunião começaria em meia hora e ela estava dentro do carro com a polícia ao lado. Foi liberada, mas só depois de um amigo, que conhecia a polícia porque era jornalista, ter dito que estava tudo bem. Lurdinha odiava esse amigo, na verdade, porque ela odiava todos os jornalistas filhos-da-mãe e que adoram violência. O salto quebrou na entrada do elevador e ela chegou atrasada para a reunião. Deu com a cara na porta de vidro que estava fechada e lembrou-se que precisa usar óculos. Podia marcar, então, psiquiatra e oftalmologista de uma só vez. O colega de baia foi demitido, que merda, ele era muito melhor do que ela, pensou. Na saída, o chefe babaca a chamou na sala e fez insinuações a que ela teve vontade de responder com um cuspe. Resolveu fingir que não era assédio e comentou que estava atrasada para o jantar com o marido, que não existia. O jantar. E quase o marido, considerando a quantidade de vezes que Lurdinha jantara com ele nos últimos meses. Sentada na sala, sozinha, pensou no vizinho mais uma vez, lembrou do sonho e da vontade de gritar que tudo o que ela queria, na verdade, era morar no meio do mato, perto de bichos e com um companheiro que lhe fizesse o jantar. Lurdinha não pedia muito. O que tinha podia parecer tanto para umas, mas não para ela. E como não sabia por onde começar, no dia seguinte tomou o banho gelado, usou tênis, chamou um táxi e pediu demissão e o divórcio, começou terapia e a usar óculos. Três meses depois reencontrou o vizinho em uma festa e descobriu que seus sonhos estavam totalmente errados. Ele era chefe de cozinha e em seis semanas se mudaram para uma casinha no meio do mato.

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5 Respostas to “Frenética vida de Lurdinha”

  1. Vivien Says:

    “começou terapia e a usar óculos” é ótimo! ehheheheh… Menina, Natal aqui em casa ainda nem chegou… Sobre o post do sobrenome, eu acrescentei o nome de meu marido. Ele não pediu, mas para mim é algo super normal fazer isso. Só não uso o nome dele na minha profissão porque eu já era conhecida pelo meu nome de solteira. Acho o máximo o Sr. e Sra. Fulano, acharia muito estranho se não tivesse o sobrenome dele. Os documentos, resolvi quase tudo no mesmo dia, sem estresse. Muito bom ter uma carteira de identidade novinha em folha, com uma foto atual (e decente! ehehehhe…) Sei que não é o teu caso, mas hoje em dia a maioria das pessoas não adota o mesmo sobrenome porque pode um dia se divorciar e aí terá que mudar tuuuuudo de novo. As pessoas já casam achando que não será pra sempre… xêro, amiga!

    Fernanda França Reply:

    Obrigada por comentar o conto, amiga. As pessoas não comentam e me dá um desâniiiiiimo de postar os continhos aqui, rs. Sobre o sobrenome, eu entendo, tem muita gente que faz isso mesmo, casa pensando em separação. Não é meu caso, te garanto, rs… Você conhece minha história com Má. Não teve nada a ver com isso, quero passar minha vida com ele, se Deus permitir. Os motivos são outros e nem sei se têm sentido, mas seguimos nossos corações ao manter os nomes, eu e ele. Beijos! :-)

  2. Ana Says:

    Amiga, adorei! Eu também adoraria ir pro meio do mato. Exatamente nesse momento. Preciso de férias de tudo!!!!!!!!!!!!! Parabéns! Beijo!

    Fernanda França Reply:

    Obrigada, amiga. Um elogio seu vale MUITO!!!!!!

  3. Lelei Says:

    Lurdinha tem a coragem que muita gente não tem e parabéns pra ela por ser tão brava… Tem que ser isso mesmo, hate something, change something, make something better… Propaganda da Honda que virou minha (e pelo jeito da Lurdinha também) filosofia de vida! =D

    Beijos grandes,

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