Ficção – Os “nãos” de Bel

Algumas pessoas dizem que sou complicada, mas não é verdade. Sou uma mulher normal e, bem, se toda mulher normal é complicada, então o problema não é necessariamente comigo. Eu sempre soube o que queria, um homem para estar ao meu lado sem que eu precisasse ser quem não sou.

Parece pouco, mas é muito. Porque os machos que eu conheci eram mais ou menos assim: lindos e educados, adoravam estar comigo e me exibir como troféu e quando me viam de avental na cozinha, creme no rosto ou percebiam que meu doce preferido era o quindim da padaria muquifo ao lado da casa dos meus pais, logo soltavam um “essa não é a Bel que eu conheci”. O problema é que eles gostavam da Bel profissional e eu queria ser apenas eu, mesmo quando estava longe dos terninhos e notebooks.

Eu nunca pedi pra homem nenhum parar de beber cerveja (e acho o gosto nojento) nem disse que não poderia assistir ao futebol (que é muito sem graça na minha opinião). Mas por que então, raios, eu tinha que ser perfeita?

Então desisti. Chega de homem. Sou feliz solteira.

Até que ele apareceu. Quando me contou que não bebia cerveja porque preferia vinho e não torcia por nenhum time, apenas em Copa do Mundo, eu quase coloquei uma aliança no dedo dele naquele momento. O problema era que o moço trabalhava comigo. E eu relutava em aceitar qualquer homem. Desisti de homem, lembra? Estava firme nesse propósito.

- Desculpe, desculpe… eu não sabia que você estava na sala de reuniões, Bel.
- Sem problemas, já desliguei o telefone.
- Você é uma mulher cobiçada.
- Imagine, que nada.
- Marcou de sair para jantar com alguém?
- Não, na verdade. E você?
- Estou sem nenhum programa por enquanto.

Quando ouvi aquilo, já sabia que ia fazer besteira.

- Quer sair pra jantar, Igor?
- Não.

Ele só queria saber se eu estava livre, mas não quis sair comigo? Nem passei perto da mesa dele no dia seguinte, depois que minha meta de ficar longe de homens tinha sido abalada com um convite ridículo que eu mesma fiz.

Mas, no elevador, lá estava ele.

- Está indo embora, Bel?
- Sim.
- Vai pra casa?
- Sim.
- Tem comida na sua casa?
- Não.
- Quer jantar comigo?
- Não.

A porta abriu, eu saí como vitoriosa, mas bati minha cabeça no travesseiro mil vezes naquela noite de tanta raiva. De mim e dele, babaca. Depois de 24 horas de tortura por ter sido rejeitada, o homem me convida para sair? Não tive dúvida e recusei.

Nossa história ficou desse jeito por meses. Eu não conseguia olhar para outro homem, ele estava sempre no meu campo de visão, as brincadeiras não acabavam, mas foi justamente com uma conversa despretensiosa que conseguimos nos entender.

- O que é esse pacote na sua mão?
- Você é curioso.
- Desculpe, é que é grande…
- A Lurdinha me deu. São panelas novinhas. Mudei da casa dos meus pais e agora tenho panelas.
- Justo quando acabei de instalar o gás em casa. Mas não tenho panelas.
- Não se preocupe, eu só tenho dois pratos, os outros dois quebraram. Dá pra viver com pouco.
- Eu ainda tenho uma caixa com quatro pratos inteiros. Podemos juntar nossos pratos e suas panelas com o meu fogão, Bel.

Primeiro, nós rimos. Mas naquela noite eu saí do escritório com as panelas em direção à casa dele, onde fizemos o jantar. Coloquei avental, prendi os cabelos em um coque e enquanto ele lavava a louça, eu preparava o macarrão.

- Você fica linda até de avental. Acho que deve ficar bonita de qualquer jeito.

Eu me mudei para aquele apartamento três meses depois. Com as panelas e os dois pratos. E nunca mais tive de ser quem não sou.

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