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O Ano Novo de Lucinha

quarta-feira, dezembro 30th, 2009

Eu tenho uma novidaaaaaaaaade!!! Mas só vou contar no ano que vem, ha-ha-ha. Tá, não resisti à piada. Mas é verdade. Estou louca para contar, mas acalmem os ânimos que o novo ano está logo aí, pra dar sorte. Por enquanto, fiquem com o conto de Ano Novo (é do ano passado, mas é novo). Para reler ou para ler, especialmente àquelas novas leitoras do blog e já tão bem-vindas. Espero que curtam, porque é um dos contos de que mais gosto. E até daqui a pouco que ainda tem mais esse ano.

Alegrias,

Fernanda.

O Ano Novo de Lucinha

Atchim. Eu esqueci. Sou uma imbecil, como é que pude me esquecer? E agora, e se eu ficar doente? Eu posso sentir, o nariz começou a fungar, os olhos estão ardendo e eu sei que a culpa é minha, só minha, porque esqueci daquele remédio de cor laranja. Eu tomei o verde, que fica no meu criado-mudo, o azul e o cor-de-rosa que estão na cozinha, mas esse laranja eu deixo na sala para tomar na hora em que eu ligo a TV para tomar o café, mas hoje eu não quis café, não liguei a TV e não tomei justo o comprimido para a alergia. Ela não me deixa em paz, essa alergia me deixa com nariz de palhaço, mas aqueles palhaços vagabundos de festa de criança em escola, sabe? Aquele que tem nariz de plástico comprado no camelô mesmo. E eu fico assim, todo mundo me olha na rua. Eu sei que é para mim.

O mais importante é que eu nunca me esqueço do cor-de-rosa. Isso porque, bem, é menos complicado ficar com alergia do que ter um ataque do coração porque a pressão subiu. Eu não tenho mania de remédio e nem acho que tenho todas as doenças do mundo, eu simplesmente tenho todas essas doenças mesmo. Não, tá, é verdade, nem todas, mas e se eu puder evitar algumas é bem melhor, não é? Atchim. Ai, meu nariz. É o cachorro da vizinha, ele me dá alergias, é um horror aquele monte de pêlo em todo lugar da casa, ai que nojo, pode dar coceira e doença de pele. Mas eu não tenho doença de pele. Só alergia mesmo. Talvez.

Saio de casa e passo na farmácia, só para comprar uns itens de higiene pessoal… Ai, que maravilha, os antigripais estão em promoção. Não que eu precise, mas e se o espirro não for alergia e eu estiver com princípio de gripe? Pode ser, não fará mal. Opa, é a Mariazinha do segundo andar, ela está aqui também, uau, ela comprou uma camisinha sabor morango. Eu nunca usei uma camisinha sabor morango. Na verdade, eu não transo há alguns meses, nem preciso disso. Não muitos meses, só alguns… tipo, uns cinco ou seis. O meu último caso nem tomava vitamina C. Eu não posso ficar com um cara que nem toma vitamina, ele é um potencial cliente de hospital. Sem chance. Mas me deu vontade de achar alguém para experimentar a camisinha de morango.

Aí me escondo atrás da prateleira de xampus, encontro ao lado uma gôndola com remédios para dor e me lembro que tenho sentido uma dor chata nos pés quando ando muito. Não é normal. A Cida me disse que se andamos muito, sentimos dor, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não é, não comigo. Atchim. Ah, sim, e tem ainda a pílula laranja, eu vou levar mais uma caixa e deixar um pouco no criado-mundo e outro pouco na cozinha, para o caso de eu resolver não ver TV em alguns dias na hora do café.

A cidade está em festa, mas grande coisa é o Ano Novo. Mais um dia, vira o calendário e puf, é o novo ano que chegou, não faz a menor diferença. Eu não vou renascer num dia. E caminho de volta pra casa pensando que milagres não existem e que, sinceramente, usar branco é a maior babaquice. Branco, que cor sem graça. E festa pra quê? Eu vou passar em casa, vou assistir ao especial de fim de ano e aproveitar os dias de recesso no trabalho.

- Au.

- Ãh?

Um cachorro no meu pé. No meio do caminho para casa, lá estava, no meu pé, um cachorro vira-lata com olhar carente. Atchim.

- Sai. Sai.

- Au au.

- Sai, cachorro.

- Au.

- Não, isso aqui não é comida, é remédio. Coisa séria, cachorro, coisa séria.

Eu não sei, mas ele me pareceu bastante interessado nos remédios. Abro a sacola, mostro que não há comida, continuo andando, mas o fedido vem atrás de mim. Cachorro estranho, nem me conhece. Atchim. Viu, é ele. É esse cão sujo que atacou a minha rinite alérgica. Sai, passa, anda, vai embora. Ah, não quer ir? Tá bem, vai andar até se cansar, porque eu não vou mais falar com você, está certo? Não falo mais. E já são seis passos na calçada. Toc toc toc toc toc toc. Como é que um animal pode ser tão persistente?

Ele está me irritando. E o jeito como ele olha para mim é… é tão… tão… carente. Será que ele tem uma casa? Não parece, está sujo e acho que tem pulgas, exala um fedor, não tem coleira e se coça o tempo todo. Credo, deve ter um monte de outras doenças. Ou não. Ele pode só estar sujo… e com fome. Puxa vida, eu não sou assim tão má…

Quer um comprimidinho, cachorro? Sério, se você quiser, te dou um dos complexos vitamínicos, acho que pode te fazer bem. Você parece meio fraquinho, acho que vai precisar de comprimidos por uns dias.

Slurp.

Ai, meu santo protetor dos animais fedidos de rua, me ajude! Esse porco me lambeu, e se eu pegar uma doença? E se ele me transmitir alguma coisa muito séria com essa lambida molhada? Não, pensando bem, não. Tá com fome, é? Melhor não te dar isso aqui, acho que vai precisar de outra coisa, mas… longe de mim, tá? Eu compro, você come e se manda, combinado?

- Au

- Então tá.

Nossa, quanta coisa legal existe numa pet shop. Mais divertido do que uma farmácia. Eu posso levar a ração e ainda uns potinhos para colocar água, depois um sabonete próprio para cães, um lacinho de cabelo. Azul ou rosa? Vou levar amarelo. E então uma loção, uma caminha bonita com babados, um osso para roer, um brinquedinho, uma bolinha e tem esse aqui, ai que lindo, posso levar dois desse…

Atchim. Não cumpri minha promessa. Ele entrou em casa, eu dei um banho, coloquei comida e em poucos minutos ele dormia no meu colo. No meu colo! Puxa, que bonitinho. Ele respira de maneira tão calma e o focinho está úmido… hahaha, você me fez cócegas com esse focinho! Que fofo. Talvez ele possa ficar hoje e amanhã eu o levo para a casa de alguém ou talvez ele possa ficar, se não atrapalhar. Eu acho que ele pode ficar. É, acho que pode.

Foi o primeiro Ano Novo que passamos sozinhos. No ano seguinte, ele já tinha uma irmã canina e eu já tinha um namorado, que conheci quando levava o Lobo para passear – o meu namorado levava a Flor e os filhotes se conheceram, blábláblá, eu acho que meu namorado armou aquilo tudo, eu acho, mas foi lindo e fingi que não percebi. Passei a usar branco que, afinal, nem é uma cor tão sem graça assim e os Réveillons começaram a ser cada vez mais divertidos.

A minha vida mudou e eu passei a esquecer os comprimidos e perceber que não precisava tanto deles assim. Hoje só volto à farmácia para itens básicos de higiene, um ou outro comprimidinho essencial e, bom, por causa da camisinha de morango.