Ficção – O perdão de Carina

Eu só percebi a perfeita imbecil que eu era anos depois. Sério, foram anos para perceber. Primeiro eu realmente achava que tudo aquilo era normal, que eu só estava passando por um momento difícil, que ele era um cara especial e merecia uma segunda chance e que nunca mais em toda a minha vida, e se eu tivesse mais do que uma vida valeria também, eu encontraria alguém que me amaria como ele me amava. Eu vivia uma relação de palpitação no coração, daquelas ruins, da angústia e desconfiança, mas pensava que era boa.

Primeiro que ele não me amava. E só isso já seria suficiente para mandá-lo embora. E todo o resto, desde o começo, estava errado. Aquilo tudo não era normal merda nenhuma, por que desde quando “tudo bem” se um cara te trai e ainda bota a culpa em você? Ele não estava passando por momento difícil, era um vagabundo mesmo que só pensava em jogar futebol e comprar filmes pornôs na TV a cabo e não era nada especial, embora me fizesse acreditar nisso. Mesmo se eu ficasse sozinha para sempre, esse fim parecia melhor do que viver aquilo.

Lúcio não só me traiu como fez isso com uma cretina que morava no nosso prédio. Uma vizinha que iria ficar careca em poucos anos, mas ele não deve ter percebido. Aquelas entradas na testa me davam arrepios, mas foi com ela, com aquela mulher estranha, que ele saiu por três meses. Saiu, não, entrou, porque ainda confessou que passou uma semana com a estranhona lá em casa, quando eu viajei a trabalho. Que nojo.

- Eu não estou arrependido.
- Ãh?
- Eu estou apaixonado por ela, Carina.
- Peraí que eu não entendi, você tinha acabado de dizer que queria salvar nosso casamento antes de dizer que não está arrependido.
- Mas eu quero.
- Não dá pra unir “salvar o casamento” com “estou apaixonado por outra”.

E mesmo assim, mesmo assim eu ainda o deixei morando lá em casa. Eu falei um monte de abobrinhas, critiquei, mas acreditei na palhaçada de salvar o casamento depois que ele trouxe flores e disse “só fiz isso porque em casa não encontro o que preciso”. Como a careca do andar de cima era cozinheira profissional, não é que lá fui eu fazer um curso de culinária para agradar o marido? E lá recebo a ligação dele dizendo que sairia para jantar com os amigos. Em plena cinco horas da tarde de um sábado.

- Está cedo para um jantar. Eu mesma farei o jantar mais tarde.
- Nós precisamos ter nosso espaço, querida.

Entre mãos melecadas de massa caseira para espagete e um delicioso pesto aprendido no curso, que eu resolvi fazer no dia seguinte, eu percebi que aquela não era a vida que eu queria para mim. Não queria agradar alguém quando eu deveria receber os agrados depois da maior filhadaputice que um homem pode fazer com uma mulher, não sonhava em passar os meus dias vivendo uma relação em que só eu acreditava que poderia dar certo, quando a outra parte ainda pensava na outra e, principalmente, eu não merecia aquilo.

Foi quando ele entrou na cozinha perguntando o que tinha para jantar. Eu tirei o avental e limpei as mãos em um pano de prato.

- Macarrão. Mas só para mim. Vá embora agora. Você tem até o jantar para sumir da minha frente.

E foi desse jeito, sem programar, sem pensar em como seria um futuro horrível sem aquele crápula que eu imaginava amar, sem ponderar sobre nada, que eu coloquei o Lúcio para fora de casa, já que eu morava lá antes de nos casarmos, era eu quem pagava o aluguel e, bom, eu tinha sido a traída da história e não sairia dali de jeito nenhum. Para azar do safado, a careca foi viajar e nunca mais voltou e eu…. eu aprendi a me amar antes de amar outro homem. A me respeitar acima de tudo e só depois me permitir entrar em uma relação.

Anos depois eu percebi que fui muito mais estúpida do que pensei. Porque eu insisti eu sustentar uma mentira. Não sei qual foi o motivo – agradar os meus pais, o medo de ficar sozinha ou tudo junto -, mas o fato é que eu cresci só depois daquilo. E quando a gente se respeita, o amor vem. Mas um amor de verdade mesmo. Que só faz o coração palplitar se for de felicidade.

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